Uma seleção para incentivá-lo a ler, mesmo que em pequenas doses; veja uma lista com 12 indicações do Menino da Porteira
Os livros sempre me salvaram, de mim mesma e das agruras da vida. Lembro quando era criança e me encantava com as aventuras de um grupo de garotos nos livretos da Série Vagalume: A Ilha Perdida, O Escaravelho do Diabo. E, ainda, quando fui apresentada às dores e amarguras da guerra por O Diário de Anne Frank, que trazia a história de uma garota judia que passou meses escondida em lugares secretos com a família para não ser encontrada pelos nazistas.
Lembro do enredo, dos sonhos de adolescente de Anne, que, apesar de viver algo tão duro como as atrocidades da Segunda Guerra, ainda era uma garota e pensava como uma garota. E eu, com meus 12 anos, no início da minha adolescência, me encontrei com Anne, fui até a Alemanha, fugi com ela para Amsterdã, senti medo, sonhei, entristeci quando parou de escrever e eu precisei devolver o livro, já terminado, para a biblioteca. Sim, era um tempo em que pegávamos as obras emprestadas na biblioteca (do clube da Escola Estadual Coronel Paiva em Ouro Fino) e cujo controle era feito por uma caderneta de papel grosso, em que a bibliotecária colocava a data do empréstimo e da devolução escrita a caneta.
Não sei se alguém ainda se interessa em pegar livros em bibliotecas. Hoje eles estão mais à mão. Dá para tê-los num simples clique. E, em poucos minutos, está tudo dentro de um aparelho. E há, ainda, os clubes de assinatura, uma versão moderna do velho Clube do Livro, que entregam a obra em casa. Fácil assim.
Um livro por mês – 12 livros no ano
O objetivo de um livro nunca é ficar parado na prateleira, é ser lido, sentido, vivido. Porque, como os personagens, a gente viaja por lugares distantes, ama, chora, vibra, ri, se entedia. E aprende mais sobre nós mesmos e sobre o mundo. Literatura, afinal, é sempre um refúgio para onde podemos ir para acalmar, ou mesmo encontrar forças para seguir em frente. Pensando nisso, selecionamos 12 livros. São sugestões ou inspirações para que você possa elencar também os seus eleitos.
Um Livro por Dia, Jeremy Mercer
A obra, que narra fatos reais, conta a história do jornalista canadense Jeremy Mercer, que vai passar uma temporada em Paris, com pouquíssimo dinheiro. Lá, ele entra na famosa livraria Shakespeare and Company. E descobre que as pessoas que lá trabalham, do responsável pela limpeza à balconista, moram ali mesmo. Jeremy vê nisso uma possibilidade de unir aquilo que gosta de fazer (ler) com um lugar para morar.
A única regra que o proprietário do estabelecimento impõe é que todos leiam um livro por dia (pelo menos). É claro que a regra não é tão literal, mas é importante ler sempre, o máximo de volumes que puder. O bacana deste livro é que não é apenas um mergulho na literatura, mas nas pessoas. Porque, entre as leituras, Jeremy se entrega às novas amizades. E nisso a obra traz uma bela lição: livros só fazem sentido quando compartilhados, quando apontam caminhos para nos relacionarmos melhor com nós mesmos e com os outros.
O Que é Que Ele Tem, Olivia Byington
Escrito pela cantora e compositora brasileira Olivia Byington, O Que É Que Ele Tem conta a história, cheia de delicadezas, do filho mais velho, João, que nasceu com uma síndrome rara, Apert, que afeta, entre outras coisas, a aparência. Olivia conta na obra algo imprescindível para todos nós: o processo de percepção e aceitação dos próprios medos e limites. Como ela mesma escreve assim que retorna da maternidade, “Foi triste entrar no quarto que havia preparado para ele e viver uma nova realidade que contrariava todos os sonhos e as expectativas cultivadas nos meses anteriores. Eu dava um passo de cada vez para aceitar e amar o novo filho imperfeito, o novo destino”.
A saber, João é também o irmão mais velho do ator Gregorio Duvivier, que resume na orelha do livro o tom da obra: “Esta é, antes de mais nada, uma história de amor, mas o amor mais difícil e raro. O amor pela diferença. Não confundir com deficiência. Ele, só ele, salva”.
Sobre a Escrita, Stephen King
Mesmo que você não se identifique com as narrativas de Stephen King e suas obras que misturam terror e suspense, dê um crédito para Sobre a Escrita. O livro é quase uma autobiografia. Ao falar sobre a maneira como escreve, onde nascem as ideias, como desenvolve as histórias, King narra a própria vida. Isso porque a escrita e a vida são mais unidas do que o leitor costuma imaginar.
King veio de uma família cheia de problemas. Sua mãe trabalhava muito para sustentar os filhos. E ele foi um garoto que cresceu amando os filmes de ficção científica e que cedo demonstrou paixão por escrever. O mais encantador do livro é perceber como a escrita acontece e que ela nasce de um lugar profundo dentro da gente e que tem relação direta com a vida que levamos todos os dias. Ah, isso não significa que a vida de King é como um enredo de terror. Leia, simplesmente leia o que um escritor que já vendeu mais de 400 milhões de cópias tem a dizer.
No Seu Pescoço, Chimamanda Ngozi Adichie
Um livro de crônicas curtas para ler, cada uma, num único fôlego. E, depois, parar e respirar profundamente. Porque os textos de No Seu Pescoço passam ao largo da superficialidade. São histórias cotidianas, que têm como pano de fundo a Nigéria, mas que conversam com todos, em qualquer localidade, cultura, condição social. Acontecimentos de família, fatos simples do dia a dia, que encontram o leitor em suas questões mais áridas. A autora, Chimamanda, consegue fazer isso com primazia, com uma linguagem simples e de ritmo delicioso.
O recorte de uma família cujo filho mais velho se envolve com um culto (ou gangues) não trata exatamente sobre violência, mas sobre as conversas que evitamos ter e que são abafadas pela dificuldade em lidar com a realidade. E é nesse ponto que a escrita de Chimamanda, reconhecida e premiada, toca fundo. Bom para ler aos poucos, nos finais de semana, no tempo livre, pausadamente.
O Curso do Amor, Alain de Botton
“O amor só dura quando não somos fiéis às suas sedutoras ambições iniciais (…), para ter um relacionamento duradouro, precisará abrir mão dos sentimentos que desde o início o levaram a amar. Precisará aprender que o amor é mais habilidade do que entusiasmo.” Essa é uma das frases que você vai encontrar nas primeiras páginas de O Curso do Amor e que resumem bem a obra recente do filósofo suíço Alain de Botton. O livro fala sobre amor, não o idealizado ou romantizado, mas o real. Leitura necessária para qualquer um que quer, de fato, ter uma relação mais verdadeira e profunda.
Na obra, é possível também perceber o estilo de escrita de Alain, que se tornou conhecido por traduzir conceitos filosóficos para a vida cotidiana de uma maneira que todos possam entender. A história gira em torno de um casal, Rabih e Kirsten. É na trajetória deles que o leitor vai se enxergando e percebendo os erros e acertos que cometemos numa relação a dois.
Kyoto, Yasunari Kawabata
A chegada da primavera e o florescer. Os rituais em torno disso, o contemplar. Ler Kyoto é como meditar. A estrutura da escrita nos leva para lugares silenciosos dentro dos personagens e de nós mesmos. É uma obra para quem sabe olhar para as pausas e apreciá-las sem pressa. A narrativa é lenta, e isso atrai — porque às vezes é exatamente disso que precisamos.
O livro foi escrito na década de 1960 pelo escritor japonês Yasunari Kawabata, nome importante da literatura japonesa e ganhador de um Nobel de Literatura (1968). Kyoto conta a história de Chieko, que vive no Japão pós-Segunda Guerra, e é filha adotiva de um casal, dono de uma loja de quimonos. A situação por si só já mostra a relação entre o antigo, representado pelos trajes artesanais, e o Japão sob a influência americana e seu consumo rápido. É nesse cenário que Chieko descobre, por acaso, que tem uma irmã gêmea, Naeko, criada numa vila pequena e que vivencia outra realidade.
O Inventário das Coisas Ausentes, Carolina Saavedra
“O que a gente faz com a memória? Incorpora ou nega?” É assim que a escritora chilena Carolina Saavedra resume, de maneira muito sutil, seu livro O Inventário das Coisas Ausentes. Como o próprio título já adianta, a narrativa fala sobre as ausências, de uma pessoa, do amor, de uma relação. Mas o mais interessante é a maneira como Saavedra o estruturou. Como ela mesma descreve, “é um livro sobre a origem, de onde vem a escrita, com duas ficções interligadas e que permite a participação do leitor”.
A história gira em torno de Nina e do narrador, o homem que ela abandona e com quem deixa seus diários — a partir dos quais ele reconta a história dela. É um livro que fala sobre as relações (com o outro e com a gente mesmo), e sobre os processos de escrita e como ele pode nos ajudar na própria reorganização interna, mesmo que a gente não se dê conta disso.
Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez
Em maio de 2017, Cem Anos de Solidão completou cinco décadas de lançamento. Mas por que ler um livro cinquentão? A idade, aqui, não faz a menor diferença, e é essa a beleza deste livro. Ele é atemporal porque a temática permite isso. Nele, o escritor colombiano criou uma cidade imaginária, Macondo, onde vive a família Buendía e sua matriarca centenária Úrsula, que acompanha todas as gerações. Mas não é um lugar qualquer, e seus personagens também não — lembre-se que Úrsula, a matriarca, permanece viva. García Márquez criou, assim, o chamado realismo fantástico. E é isso que atrai. A narrativa leva o leitor para um lugar que não é aqui, um universo próprio mas que ao mesmo tempo não é totalmente fantasioso, como os contos de fadas ou os livros de magos e elfos. Enfim, é Macondo. Leia, simplesmente leia. É leitura para não quer parar mais.
Uma Casa no Meio do Caminho, Barry Martin com Philip Lerman
Barry é um engenheiro que está tocando a obra babilônica de um shopping. Edith é uma senhora muito velhinha, mal-humorada, que tem uma casa que fica, literalmente, no meio da obra. Todos os vizinhos se renderam ao empreendimento e venderam suas casas. Mas Edith, não. Para ela, a questão não era o dinheiro, mas permancer no lugar onde sua mãe morou e morreu e onde ela também deseja morrer. Barry é designado para supervisionar, diariamente, os possíveis estragos que a obra causaria na casa. Só que, no decorrer das conversas burocráticas, Barry enxerga Edith verdadeiramente, passa a entender as razões pelas quais ela quer seguir ali e os motivos de ser rabugenta. Dessa amizade surgem belas lições. Uma obra recomendada para lidar com o envelhecimento do outro — ou o próprio. Enfim, uma leitura para todos.
A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, Martha Batalha
Pense num livro para começar a ler em um dia e terminar no outro. A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, romance de estreia da escritora Martha Batalha, é assim, viciante. O enredo é bem amarrado e a narrativa é leve e mistura fatos reais com ficção. A história se passa no Rio de Janeiro, na década de 1940, e conta a trajetória de uma mulher aparentemente comum, Eurídice Gusmão, filha de portugueses, que foi criada para casar e ser mãe. Ela seguiu esse roteiro, mas não se sentia feliz com aquilo que lhe ensinaram como o certo. Ela queria mais, no entanto a sociedade — e o marido — lhe dizia que devia querer menos, bem menos. Assim, a escritora toca em temas delicados como invisibilidade da mulher em um tempo de machismo exacerbado. E conta como Eurídice vai conseguindo dar voz a suas vontades mais íntimas de um jeito muito particular.
O Último Sopro de Vida, Paul Kalanithi
A urgência em viver e transformar a rotina em algo mais prazeroso, intenso e com sentido. Existem muitos motivos que levam algumas pessoas para essa encruzilhada, mas, provavelmente, a morte anunciada é o mais pungente deles. Na obra O Último Sopro de Vida, o neurocirurgião Paul Kalanithi, de 36 anos, descobre que tem um câncer incurável. A história é real e o livro foi escrito por Paul, que narra de maneira delicada seus últimos meses de vida — ele faleceu antes de finalizar o livro, e os últimos capítulos foram escritos lindamente por sua esposa, Lucy. Ao longo dos meses pós-diagnóstico, ele tem que lidar com seus próprios sentimentos, com as emoções das pessoas próximas e com a chegada da primogênita. E, no meio dessas histórias e nesse emaranhado de emoções, o leitor se dá conta de que, aprendendo a morrer, o médico nos ensina a viver. Tocante.
O Poder da Empatia, Roman Krznaric
Pense num livro gostoso de ler e que ainda o ajuda a acreditar em uma humanidade melhor. O Poder da Empatia é assim. Escrita pelo historiador Roman Krznaric, um dos fundadores da The School of Life, a obra nos mostra como desenvolver a empatia, a capacidade de olhar para o mundo pelos olhos dos outros, é essencial para uma sociedade mais justa e melhor — e, claro, mais acolhedora e amorosa. E Roman aborda tudo isso de um jeito gostoso, contando histórias, dos outros e suas, e dessa maneira vai, literalmente, nos fazendo olhar pela ótica alheia. Há trechos, inclusive, dedicados a nos ensinar sobre conversas difíceis — sim, porque entender aquele que pensa diferente da gente faz parte.
Escrever sobre temas tão universais com profundidade e de uma maneira atraente é algo raro. Então, por favor, não deixe de ler este livro. Fará bem para você e, certamente, esse olhar mais próximo transformará suas relações.
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