Ao fazer isso, podemos aprender sobre tolerância e respeito, conhecemos novos pontos de vista e traçamos um caminho para mudanças sociais significativas
Era um fim de tarde de julho quando, saindo do trabalho, entrei no elevador. Lá já estavam uma senhora e seu casal de netos. Com um avião de brinquedo nas mãos, o menino fazia das paredes uma pista de decolagem.
A garotinha, por sua vez, me olhava curiosa. Não devia ter mais que 6 anos. “Hora de ir para casa?”, perguntei. Depois de buscar o olhar afirmativo da avó, como quem espera autorização para prosseguir, respondeu: “Sim! Eu e meu irmão não fomos para a escola, porque estamos de férias. Você também?”. “Não”, devolvi, “minhas férias ainda vão demorar. Quando a gente vira adulto, isso funciona um pouco diferente”. Ela abaixou os olhos. “Que pena, tia. É muito legal não precisar ir à aula, comer bolacha deitado no sofá e assistir ao nosso filme preferido.”

Chegamos ao térreo. Nos despedimos e eles desapareceram do meu horizonte. Nunca mais encontrei a menina, de quem nem o nome sei, mas nossa conversa me fez relembrar, com nostalgia, minhas tardes de infância. Desencadeou, além disso, reflexões sobre como as pequenas coisas nos são tão marcantes e carregam, em sua simplicidade, tamanha riqueza. Por dias, esse diálogo reverberou em mim. Esse é o poder dos encontros ao acaso: quando abrimos espaços para trocas com pessoas que não conhecemos, adentramos novos mundos e descobrimos as belezas (e os percalços) que existem por lá.
Não falar com desconhecidos é uma das primeiras orientações que recebemos dos que são responsáveis por nós. Afinal, quando crianças, não conseguimos discernir as intenções alheias. Não seria prudente incentivá-las a dar atenção a qualquer um. Com a maturidade, no entanto, é possível flexibilizar um pouco tal regra. A americana Kio Stark, autora de O Poder do Acaso (Alaúde), se dedica a estudar nossa interação com estranhos. Ela sugere que o primeiro passo para essa experiência é entender que imprevisível e desagradável não são sinônimos de perigoso. Dando o nome certo às coisas, conseguimos atravessar barreiras com mais facilidade. Puxar conversa na fila do banco, na sala de espera ou no transporte público pode ganhar rótulo de arriscado quando, na verdade, apenas causa receio por nos tirar da zona de conforto. Estamos acostumados a ver o mundo sob a perspectiva do “nós e eles”, explica Kio, e precisamos nos esforçar em superar essa distinção. Geralmente, esse “eles” diz respeito às pessoas que carregam diferenças de cor da pele, etnia, religião ou classe social. Assim, vamos criando grupos e definindo inimigos, como se estivéssemos uns contra os outros, combustível para um mundo cada vez mais polarizado.
Pessoas não são categorias
Quando conversamos com alguém, passamos a vê-lo como uma pessoa, não mais como uma categoria. Descobrimos que ele tem medos, vontades, sonhos, assim como eu e você. Essa percepção de humanidade propicia identificação, eliminando os julgamentos e preconceitos tão presentes em nossos dias. Depois de algumas palavras, a moça do cabelo crespo e calças amarelas torna-se a Maria que gosta de sorvete de pistache. O homem de paletó vira o João que deseja conhecer o Japão. A senhora corcunda de vestido em tons frios converte-se na Helena que adora literatura de cordel.
E é isso que torna as conversas ao acaso tão transformadoras: elas criam certa intimidade e, por isso, unem. “Esse exercício amplia nossa ideia de quem é considerado um ser humano”, diz Kio. “E essa pequena mudança individual e específica é uma fagulha de mudanças políticas maiores. Diante das nossas lutas globais sobre refugiados e imigração, racismo, ódio e assédio, o simples fato de ver uma pessoa como indivíduo é um ato político”, complementa.
O que nos trouxe até aqui
Mas será que sempre fomos tão resistentes àqueles que não conhecemos? Vamos voltar no tempo. Pense em como eram as dinâmicas sociais antes das grandes cidades. As pessoas viviam em propriedades rurais, tinham famílias numerosas e levavam uma vida pacata. “As relações humanas eram pautadas pelo sentimento, havia uma questão muito forte de partilha de experiências, de contato humano”, explica a socióloga Mariana Egry. Assim que a atividade industrial se estabeleceu, as famílias foram deixando o campo rumo às áreas urbanizadas. O estilo de vida também mudou. Georg Simmel, sociólogo alemão, chama esse fenômeno de intensificação da vida nervosa. Com o tanto de estímulos e informações, fomos criando uma espécie de capa protetora para resguardar nossa individualidade de tantos excessos. “A moeda comum, que pauta as trocas, passou a ser o dinheiro, não mais os relacionamentos”, pontua Mariana. “Fomos ficando mais impessoais, porque, agora, tudo é baseado em números.”
Outro fator importante é que boa parte dessas informações que nos chegam são carregadas de violência. As manchetes anunciam cenários cada vez piores, o que nos deixa em estado de defesa. Ou seja, a consequência é que tornamos as pessoas invisíveis por medo delas. E, segundo Kio Stark, o antídoto contra esse sentimento que nos deixa ensimesmados é justamente falar com elas. “Essas interações desencadeiam o respeito mútuo e o entendimento”, diz. Por menor que seja a duração de uma conversa, segue sendo possível que ela tenha um caráter intenso e transformador. Afinal, são portas que se abrem e mudam tudo, porque nos fazem enxergar que o mundo é grande – maior que nosso umbigo.
Esteja atento às oportunidades de conversas
Da próxima vez que entrar em um elevador, seja como for, tente não olhar para o celular. Pode ser que, à sua espera, esteja uma criança pronta para compartilhar a alegria de uma tarde de férias. Nos Hotéis Fazenda Menino da Porteira é muito comum essa experiencia, a beira do lago em uma silenciosa e relaxante pescaria, alguém desconhecido certamente vai te perguntar 'Ja pegou algum?'. Os lagos de pescaria, os bancos em frente ao cenário bucolico do campo, as espreguiçadeiras ao sol, são testemunho das primeiras conversas entre desconhecidos que evoluiram despretensiosamente para grande amizades.

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